A proposta de fusão entre a Fiat Chrysler Automobiles (FCA) e o Grupo Renault, oficializada ontem, confirma a tendência de compartilhamento da produção industrial para fazer frente às novas demandas da era digital. A análise é de especialistas ouvidos pelo DIÁRIO DO COMÉRCIO, que avaliam de forma positiva a possível união entre as empresas, que formariam a terceira maior fabricante de veículos do mundo. Apesar do potencial da fusão, os especialistas acreditam que ela não causaria grandes alterações no curto prazo para as plantas das marcas no Brasil.
A proposta enviada pela FCA ao Grupo Renault sugere uma combinação dos negócios, que pertenceriam 50% aos acionistas da FCA e 50% aos acionistas da Renault. Por meio de nota, a FCA afirmou que a colaboração traria melhorias em eficiência de capital, assim como maior velocidade no desenvolvimento de produtos, reforçando sua posição em tecnologias transformadoras, como eletrificação e direção autônoma.
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A proposta é direcionada ao Grupo Renault, o que significa que, a princípio, não inclui Nissan e Mitsubishi, que formam uma outra aliança com a Renault. De acordo com a FCA, os rendimentos da companhia combinada seriam de quase 170 bilhões de euros, com lucro operacional de mais de 10 bilhões de euros. Juntas, as empresas se tornariam a terceira maior fabricante de veículos do mundo, com 8,7 milhões de unidades vendidas anualmente e uma forte presença de mercado em regiões e segmentos-chaves.
Por meio de nota, a Renault informou que o Conselho de Administração do grupo se reuniu, ontem, para examinar a proposta. A companhia informou que “decidiu estudar com interesse a oportunidade de uma aproximação”. De acordo com o comunicado, os resultados dessas discussões serão divulgados “posteriormente” e em “momento oportuno”, de acordo com as leis e regulamentos aplicáveis.
Para o especialista em setor automotivo e professor da Universidade Estácio de Curitiba, Hugo Meza, a proposta de fusão só reforça a teoria de uma indústria automotiva cada vez mais compartilhada. Segundo ele, isso acontece porque a demanda para o segmento mudou: a adoção de nova matriz energética é urgente e custosa, por outro lado, a posse do carro é substituída pelo uso dele, então as vendas estão caindo.
“Outros modais de transporte, como o Uber, estão resolvendo o problema da locomoção e diminuindo a venda de carros. E, ao mesmo tempo, as montadoras precisam atender à demanda do carro elétrico. Para dar conta dos custos e da inovação disso, a saída é unir forças e compartilhar conhecimento”, afirma.
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Ele lembra que a união entre as concorrentes também se faz necessária para enfrentar um concorrente ainda maior: a Tesla, que, segundo ele, é quem está dando as cartas nesse assunto.
“A Tesla nem produz tantos carros quanto as demais, mas está ganhando cada vez mais valor por conta de suas ações de inovação”, frisa.
Para o professor, os novos padrões de consumo vão mudar significativamente o modelo de negócio da indústria automotiva, assim como sua forma de produção. Por isso, ele avalia como positivo o possível compartilhamento de produção entre FCA e Renault. Em relação à não participação de Nissan e da Mitsubishi na proposta, o professor avalia como negativa, caso isso signifique que a Renault tenha que romper a aliança com as marcas. Em nota, a FCA afirma que a fusão geraria “benefícios significativos para todas as partes em uma parceria expandida”.
O presidente da consultoria Megadealer, José Caporal, avalia a proposta de fusão a partir de um aspecto de sobrevivência da FCA no mercado europeu. Ele explica que a legislação europeia para o setor automotivo é rigorosa, principalmente no que diz respeito às questões ambientais e à adoção do carro elétrico. Para ele, se a FCA tentasse entrar nesse mercado sozinha, ela não teria fôlego.
“Essa fusão é uma estratégia de negócio da FCA para enfrentar a legislação ambiental da Europa. No fim das contas, a fusão é positiva, porque garantiria sobrevivência às marcas no mercado europeu”, afirma.
O gerente de desenvolvimento de negócios da consultoria Jato Dynamics, Milad Kalume Neto, também vê como positiva a união entre as empresas. Ele lembra que é difícil fazer uma análise mais criteriosa, porque os detalhes da fusão “não foram colocados sobre a mesa”, então os palpites ainda têm um pouco de especulação.
“É claro que as empresas têm perfis corporativos diferentes e é preciso entender melhor essa proposta: se é um acordo para desenvolvimento de um produto em comum, se haverá compartilhamento de culturas das empresas, entre outros detalhes. Mas o compartilhamento de custos é muito positivo. Vai permitir que as empresas reduzam gastos em setores como RH, logística e desenvolvimento, o que é uma tendência na indústria”, diz.
Sobre a exclusão da Nissan e da Mitsubishi da proposta, o especialista vê com dificuldade como isso se daria na prática. “Não consigo enxergar como isso seria viável, pois as empresas têm estruturas interligadas”, explica.
Possível aliança não deve prejudicar plantas no País
Os reflexos da possível fusão entre a FCA e a Renault para as plantas no Brasil são minimizados pelos especialistas. Para José Caporal, como se trata de uma medida da FCA para enfrentar a legislação europeia, as estratégias das empresas no Brasil não serão alteradas. Já Milad Kalume Neto acredita que a influência está no campo da imagem da Fiat no Brasil, que ganha mais valor. “E, é claro, que Minas Gerais ganha com isso, pois falar de Fiat no Brasil é falar de Minas Gerais”, afirma.
O professor Hugo Meza, por sua vez, acredita que, no futuro, poderá haver adaptações nas plantas, uma vez que o compartilhamento de produção pode levar a um aumento do número de marcas produzidas por fábrica. Mas ele afirma que esse eventual aumento de produção não deve gerar aumento de emprego, uma vez que as fábricas estão, cada vez mais, robotizadas.
Os especialistas também não apontam a possibilidade de demissões por conta do corte de custos. Por meio de nota, o grupo FCA ressaltou que os resultados previstos a partir da fusão “não estão baseados no fechamento de plantas”. De acordo com a empresa, os investimentos no Brasil estão confirmados.