Tilden Santiago *
A qualidade intelectual do conteúdo de uma entrevista e o manejo jornalístico de sua forma (pergunta e resposta) revelam ambos, a inteligência e argúcia de entrevistado e entrevistador. É o mínimo que se pode dizer de “Estamos em Transição, mas sem Saber para Quê” – publicado na Ilustríssima, neste domingo pelo colega jornalista e colunista da Folha – Vinícius Torres Freire, penetrando na reconhecida sabedoria e no vigor intelectual do amigo FHC, com belíssima ilustração do artista plástico Adams Carvalho.
PUBLICIDADE
Vale a pena ressaltar algumas pérolas encravadas no longo texto – e o faço como jornalista e ex-professor de comunicação e filosofia na UFMG e PUC-MG respectivamente.
Sistema Político: nascido em 1988, desaparece nas eleições de 2018 e se desmilinguiu com os partidos e instituições abalados pela fragmentação e imediatismo das redes sociais.
Carisma 1: o processo passou a ser conduzido por um líder quase carismático, mas esse caminho é arriscado.
Carisma 2: o sucessor de Bolsonaro só poderá ser um nome carismático. FHC ousa lembrar Luciano Huck, com um novo projeto político embalado por movimentos novos.
PUBLICIDADE
Max Weber: FHC trabalha o conceito de liderança a partir do pensamento de Max Weber (1864-1920).
Tempestade: PT e PSDB, no domínio da política, não perceberam “a tempestade que vinha”, o ineditismo do papel das redes sociais.
Transição: veio uma transição mas não se sabe para onde.
Não: Bolsonaro nasceu do “não” e não do “sim”: Não quero PT, corrupção, partidos, políticos, desordem, crime.
Mudança: a elite política é consequência da mudança muito rápida da sociedade.
Habilidade: a classe dominante tinha mais habilidades políticas tradicionais.
Democracia: agora a nossa democracia é mais representativa, mas não sabe lidar com grandes problemas institucionais. O sociólogo acha que ela vai aprender.
Deterioração: Há algo errado no sistema institucional – impeachment ou prisão para tantos presidentes. Com o sistema de coalizão os partidos políticos se deterioraram.
Tolerância: FHC se simpatiza com certa dose de tolerância nos EUA. Lá o Congresso nunca usa todos os poderes.
Previdência: os mercados apostam na reforma da Previdência: é que, na verdade, o Estado está falido.
Políticas Públicas: falta continuidade nas políticas públicas.
Crises: sociólogos comentam excessivamente as crises. Elas explodem ciclicamente no capitalismo, mas também quando menos se espera, elas estouram, como em maio de 68 na França.
Celular: FHC destaca o papel do celular que salta as estruturas, organizações, partidos, governos, tudo.
Distrital: ele defende o voto distrital agora – maior proximidade entre eleitor e eleito. É contra parlamentarismo agora, mas alguma coisa tem de ser tentada.
Emocional X Irracional: É preciso uma liderança capaz de contrapor argumentos e tocar as pessoas. É irracional. Como se muda o irracional? Pelo emocional?
PMDB: FHC evita centrar o foco no PT e no PSDB e exorta que se considere o PMDB – “o grande partido do Estado”.
Partidos: em sua análise de partidos, FHC se refugia também em Max Weber: este tinha pavor do que se chamava de dominação burocrática, tinha medo do comunismo que ia por aí, era nacionalista, democrata. Achava que em certas circunstâncias o carisma quebra as estruturas de dominação.
Novo início: a sociedade contemporânea quebrou muito a coesão das pessoas. A sociabilidade é diferente… Acho que só com alguém que tenha capacidade de falar e ser ouvido, você pode eventualmente criar um novo início.
Selecionei 21 pérolas! Existem outras na entrevista de FHC. Ele fecha a mesma com chave de ouro, mostrando-se mais um “príncipe dos humanos” do que dos “sociólogos”: aponta o que há de mais trágico e interrogativo na humanidade – os “pobres”, lembrando a centralidade da vida e do pensamento de Franz Fanon, francês da Martinica (1925-1961), revolucionário e ensaísta, marxista e anticolonialista: “É preciso falar em nome disso (dos desempregados…), se chame esquerda ou não, dos deserdados da terra, dos condenados da terra aqui ou nos EUA – os damnés de la terre” – de Franz Fanon.
*Jornalista, embaixador e filósofo